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Estado foi publicada uma entrevista com Nassim Taleb, que fala discute o valor de modelos matemáticos na precificação e gestão de risco no mercado financeiro.
De forma sintética - Taleb aponta 3 problemas nos modelos matemáticos que são normalmente utilizados no mercado financeiro - o primeiro problema é a dependência desses modelos na distribuição gaussiana (e mais formalmente no movimento browniano), e o segundo fato é que nos mercados financeiros os eventos mais importantes são os eventos raros e não previsíveis. Diante destes dois problemas modelos matemáticos seriam inúteis. O terceiro problema seria a teoria de carteiras derivada de pressupostos de normalidade.
Os três problemas apontados por Taleb são extremamente relevantes; e discutirei cada um a seguir. O ponto que tenho uma discordância parcial de Taleb é sobre a importância de Black, Scholes e Merton na teoria de finanças. O pilar básico do modelo de Black-Scholes é o movimento Browniano e o uso de um martingale como representação de um processo de preço de um ativo. E sim, eles estão no trabalho de Bachelier de 1900 (eu já coloquei um link sobre Bachelier aqui, e é fascinante).
Mas a grande contribuição deles foi formular um modelo simples que permitisse a precificação de opções, o que permitiu que o mercado de derivativos se desenvolvesse. E aí vem o ponto principal - porque usamos modelos matemáticos e estatísticos em finanças ?
Basicamente porque os instrumentos financeiros são cada vez mais complexos, e precisamos condensar toda a complexidade e a incerteza existentes para precificar estes ativos. Modelos são ferramentas de trabalho, simplificações úteis para ajudar no processo de decisão. E como temos uma racionalidade limitada e uma demanda intensa por decisões rápidas, modelos matemáticos servem como referenciais úteis de preço. Acho que foi Theil que escreveu - "modelos são objetos de trabalho, e não de fé". E assim a ferramenta que Black, Scholes e Merton desenvolveram foi útil para criar um referencial de preço para o mercado. O modelo é verdadeiro ? não, como nenhum modelo é verdadeiro, e sim uma aproximação instrumental útil para decisões. Além disso Merton em especial teve outras constribuições fundamentais para finanças, e de forma relevante o primeiro modelo de default relevante, que é um evento extremo e que foge do pressuposto de normalidade.
Para fazer justiça a ferramenta matemática mais relevante na precificação de ativos financeiros é a formalização matemática do conceito de não-arbitragem, que foi introduzida por Harrison e Kreps (1979), Harrison e Pliska (1981 e 1981), e sua relação com martingales e precificação neutra ao risco. Nestes artigos também é mostrado que uma medida martingale equivalente única só existe em mercados completos, e assim um preço único de não arbitragem só pode se obtido em um mercado completo. O que torna um mercado imcompleto ? Por exemplo volatilidade estocástica, eventos extremos relacionados a saltos não antecipados de preços e custos de transação e efeitos de microestrutura. E assim a teoria matemática de precificação por não-arbitragem sempre apontou as limitações aonde um preço único poderia ser obtido. Mercados completos são equivalentes a possibilidade de hedge dinâmico perfeito, que é a forma que Taleb utiliza para a precificação. Em mercados imcompletos não é possível hedge perfeito, e assim a precificação deve embutir as expectativas dos agentes sobre estes eventos.
Modelos matemáticos em finanças há muito tempo utilizam distribuições diferentes da normal para controlar para gaudas pesadas e assimetria, e assim matemáticamente estes efeitos são bastante conhecidos. Depois do Crash de 1987 a importância da volatilidade estocástica na precificação (reconhecida pelos smiles de volatilidade, que são uma evidência de falhas no modelo de Black-Scholes) vem levado ao desenvolvimento de uma ampla gama de modelos para capturar estes efeitos. Mas da mesma forma nenhum modelo consegue capturar todos os eventos possíveis, e assim temos um contínuo desenvolvimento de modelos mais complexos. O problema é que modelos complexos demais podem perder sua utilidade como referenciais de preços (embora isso se modifique no tempo - hoje uma boa parte dos traders trabalha com modelos matemáticos bem complexos, e isso é evidente pela crescente matematização do mercado financeiro). E além de tudo o modelo de Black-Scholes apesar de sua simplicidade é bem robusto na maioria das situações.
A forma de se tornar os modelos mais complexos e ainda ter modelos tratáveis foi a de introduzir nos processos de preço a possibilidade de saltos, com os modelos de jump diffusion. Neste caso o processo de preço ainda mantém um componente browniano, mas adiciona um componente adicional para a possibilidade de saltos descontínuos de preço. A grande vantagem é que processos de saltos sob algumas restrições (por exemplo saltos independentes) ainda podem ser formulados como semi-martingales, o que permite que utilizemos a precificação por não-arbitragem de Harrison e Kreps e Harrison e Pliska. Sair do mundo de semi-martingalese de movimento browniano é ainda matematicamente muito complexo, por exemplo introduzindo processos browianos fracionários. Para ter uma idéia da complexidade do problema vejam este artigo -
HJM Interest Rate Models with Fractional Brownian Motions, Alberto Ohashi and Pedro Catuogno, que na minha opinião é um dos artigos de finanças matemáticas mais bem elaborado que li nos últimos anos.
Taleb tem um ponto importante contra os modelos de salto - já que os saltos são indepentes, eles não podem ser previstos, e assim são apenas uma construção matemática para ajustar um problema nos modelos. Neste ponto eu discordo de Taleb - embora os processos de salto sejam não previsíveis, é melhor adicionar um prêmio de risco para estes eventos, que embora sejam uma aproximação, ainda permitem a construção de referenciais de preço com a adição de premios de mercado para risco para testes eventos.
Em minha opinião principal problema no uso de modelos matemáticos de precificação está no processo de calibração. Além dos problemas econométricos envolvidos, os parâmetros utilizados tem que refletir a expectativa futura e não o passado histórico observado. A grande arte da precificação está na escolha adequada dos parâmetros.
O terceiro ponto está na teoria de carteiras de Markowitz. E neste ponto Taleb está correto. Embora seja interessante como primeira abordagem, o uso de média-variãncia na construção de carteiras é tão pouco válida que raramente é utilizada na pŕatica. Ao mesmo tempo que a modelagem matemática de derivativos evoluiu intensamente, a teoria de carteiras quase não andou. Acho que a única adição significante é a idéia do modelo de Black-Litterman, que permite que a alocação seja realizada misturando o histórico de preços com uma prior bayesiana sobre a futura distribuição de preços.
Taleb diz que se deve evitar escolas de finanças e administração. Um ponto interessante sobre isso é que atualmente as principais contribuições de modelos matemáticos em finanças vem de matemáticos que trabalham de forma efetiva no mercado (por exemplo Rebonato, Peter Carr, Damiano Briggo). Atualmente os modelos matemáticos nascem no mercado e são formalizados na academia, o que é excelente, já que o mercado dinamicamente cria produtos e situações cada vez mais complexas e interessantes, e assim mantendo o interesse e o desenvolvimento da teoria matemática de finanças.
Obrigado ao Cleiton pela dica da entrevista no Estado.