sábado, fevereiro 28, 2009

Que tal estudar antes ?

O festival de bobagens continua nessa crise. Agora resolveram colocar a culpa no modelo de precificação que usa cópulas gaussianas como o responsável por toda a crise, como nesse artigo da Wired. Que algum jornalista sem formação matemática propague esse tipo de afirmação, ok. Mas pessoas com o mínimo de formação básica em estatística ou econometria, é difícil de aceitar.
Cópulas são uma forma de representar uma distribuição conjunta como uma decomposição das distribuições marginais e da função de dependência. A grande vantagem é que é possível gerar distribuições conjuntas analiticamente mais flexíveis, como por exemplo unindo uma marginal student-t, uma marginal hiperbólica e dizer qual a relação entre elas (mais especificamente qual a função de dependência entre os quantiles de cada distribuição marginal, que é a chamada função de cópula).
A metodologia de precificação de Li, citada no artigo, usa uma cópula Gaussiana para modelar a estrutura de dependência entre os possíveis defaults. Uma cópula Gaussiana especifica esta função de dependência como sendo uma função linear. Como eu já havia comentado antes, e muitas pessoas também, esta é uma deficiência do modelo, já que em algumas situações a função de dependência mais adequada seria uma função não-linear que aumentasse a dependência nos quantiles de perdas extremas. Isto é possível de ser feito, mas as cópulas analíticas existentes com estas propriedades não podem ser utilizadas para um número elevado de ativos, ou então possuem pouca flexibilidade (em geral são caracterizadas por um número restrito de parâmetros). Uma vantagem da cópula gaussiana é que além de ser analiticamente tratável, ela permite especificar a dependência entre cada par de ativos com um parâmetro. Resumindo , em uma cópula Gaussiana os parâmetros são dados pela matriz de correlação linear.
Uma aproximação linear é sempre adequada ? Não, em algumas situações não. Minha opinião é que o problema de precificação estava mais em uma mudança de regime, mudando de um regime com uma estrutura mais simples de dependência para um regime com probabilidades de default maiores determinadas pela situação geral de preços de ativos, uma mudança de regime (um caso de múltiplos equilíbrios) piorada pela quebra do Lehman Brothers. Neste caso, mesmo que fosse usada uma estrutura com uma cópula mais flexível, provavelmente não seria adequada também. O problema é que estes modelos são formas reduzidas, e não contém nenhum parâmetro estrutural ligado a uma situação geral da economia ou demais fatores que afetem o preço. Continuo enfatizando que o modelo não era adequado, mas nenhum modelo é adequado para todas as situações. Modelos são ferramentas úteis, não representações da realidade.
Meu ponto é que alguns destes críticos de modelos com cópula Gaussiana não perceberam que a esta cópula significa dependência linear. Se você está utilizando em sua pesquisa qualquer forma de modelo linear, como regressões lineares, vetores autoregressivos, modelos lineares generalizados, variáveis instrumentais, etc, você está supondo que uma dependência linear é adequada. Sempre é ? claramente que não, mas em muitas situações (a maioria para econometristas ou economistas empíricos) ela é uma representação suficientemente boa. A não ser que você seja um analista completamente não-paramétrico ( e olhe lá, já que em muitos modelos não paramétricos são utilizadas representações lineares locais) você está confiando em uma dependência linear.
É engraçado que muitas das críticas são de pesquisadores que utilizam modelos teóricos determinísticos, ou seja, sem nenhum elemento de aleatoriedade (quem em algumas situações são uma simplificação adequada). Então, cuidado com as críticas. Modelos são ferramentas de suporte a decisão, mas a decisão é do analista (que tem que avaliar a loss function adequada no problema de precificação e a influência da especificação utilizada) e não do modelo.

8 Comments:

Blogger Prof Shikida said...

Tentei uma análise balanceada lá no Nepom. Mas vou ter que incorporar seu post como adendo.

Concordo com o problema humano (último parágrafo).

Abraços

6:54 PM  
Anonymous Anônimo said...

Li o artigo da wired e agora o seu. Lembre do finado Dilson Funaro que meteu o pau nos indices de inflação quando o cruzado estava indo pro vinagre. Para as pessoas comuns é complicado dizer que um modelo é por definição um representação capenga da realidade e nessas horas de crise sempre se busca bodes espiatórios.

Justiça seja feita, muita gente foi induzida a fazer aplicações ruins por conta desse marketing dos novos intrumentos financeiros, dos gênios da física em Wall Street. O Madoff deve ter convencido muita gente com essa história de cópula.

Vc citou o problema da mudança de regime, outros dois problemas foram a alavancagem excessiva e os vigaristas. No primeiro caso não importa que modelo de precificação vc use, com uma alavancagem muito grande o sistema tende a catastrofe. No segundo caso não há modelo, mas em geral os golpistas dizem que têm O Modelo. Esses dois problemas são constantes nas histórias de crises financeiras sempre interagindo com inovações financeiras válidas com consequências desastrosas.

10:01 PM  
Blogger Márcio Laurini said...

Daniel

O fundo do Madoff não tinha absolutamente nada a ver com cópulas ou instrumentos financeiros sofisticados, nem mesmo na propaganda.
Me responda - qual é o coeficiente de alavancagem excessiva ? 20, 10, 2 ? Isso não é uma resposta simples. Você pode ter um fundo com baixa alavancagem e ter problemas de liquidez.
Não disse que um modelo é uma representação capenga da realidade. Apenas uma representação útil.
O grande problema da crise foram os instrumentos de diversificação de risco de mortgages, que não exatamente uma aplicação financeira, a não ser que você seja um especulador imobiliário, e o grande problema estava nos subprimes que estão longe deste perfil.

10:39 PM  
Anonymous Anônimo said...

Sim, fundo do Madoff não tinha nada desses instrumentos, mas esse tipo de golpista sempre promete rendimentos fantásticos com o uso de algo novo e sofisticado mas sigiloso.

Não sei qual seria o coeficiente de alavancagem excessiva, o problema é quando tem muita gente alavancada. Um choque inesperado pode levar ao problema de liquidez e no meio do tumulto começam a pipocar os casos de fraude e a crise está instalada. Vale a pena ler o livro do Kindleberger, "Manias, Panics, And Crashes: A History Of Financial Crises".

Acho curiso vc dizer nesse comentário que a crise não teve nada com uma política monetária frouxa e com políticas habitacionais populistas.

Não tenho nada contra finanças e muito menos com quem gosta de finanças, mas se agora tem gente criticando a teoria de finanças e os novos instrumentos isso não é novidade nenhuma, sempre fazem assim.

Abs

11:08 AM  
Anonymous Anônimo said...

Olá,

Passei a acompanhar seu blog recentemente. Me formei em economia e estou começando a estudar finanças agora (tirando matemática financeira que eu já tinha visto na faculdade). Comprei o Brealey&Myers e o Hull, mas acho que esses não vão ser suficientes pra entrar de cabeça nesse mundo. Pode sugerir mais alguns sobre gerenciamento de risco e livros que se apoiam em softwares como o R (já tenho alguma familiaridade)?

Valeu

12:07 PM  
Blogger Isso é confidencial said...

Marciao, André Fontenele aqui. Eu li o artigo da Wired e concordei em linhas gerais com o que foi dito por lá. Não manjo de cópula pra fazer um comentário mais esclarecido sobre o assunto, mas entendo razoavelmente bem como um banco funciona pra dizer que os estudos sobre correlação entre defaults foram usado pelos bancos pra justificar exposições descabidas. Achei o título do artigo exagerado, mas acho difícil de acreditar que o que aconteceu ia ter fato acontecido se os controladores de risco em geral não acreditassem na baixa correlação de defaults mesmo num evento de crise um pouco mais forte. E pelo que o artigo fala, a crença forte demais na cópula citada ajudou bastante nisso.

Resumindo, acho que nós "quants" ou "wannabe quants" tem alguma culpa no cartório sim. Tudo bem que muito disso foi em função da pressão dos CEOS para surfar a onda, mas a sensação é de que demorou demais pra cair a ficha mesmo depois do início do stress.

Gde abraço!

3:20 PM  
Blogger Márcio Laurini said...

Rafael

De uma olhada em
http://raciocioniosespurios.blogspot.com/search?q=Top+5

são dois comentários sobre livros em finanças.

Sobre ferramentas em R para finanças:

http://cran.r-project.org/web/views/Finance.html

[]s

Márcio

4:09 PM  
Blogger Unknown said...

Talvez isso seja útil: há alguns artigos recentes em que a modelagem da distribuição multivariada se dá através de uma combinação de modelos de cópulas bivariados (ou de dimensão menor) por meio de um modelo hierárquico. A idéia é propor modelos de cópulas menores, e a partir dos resultados destas cópulas se estima um segundo conjunto de cópulas até pegar todo mundo.

Uma primeira proposta é apresentada por Aas et. al. (2009) "Pair-copula construction of multiple dependence", que se basea em um outro artigo de Joe (1996). Com essa metodologia pode-se construir modelos multivariados sem impor necessariamente dependencia linear. Há também uma proposta feita por Savu e Trede (2006), mas essa apresenta algumas limitações comparada com a metodolgia da Aas.

9:24 AM  

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