Heterodoxia
O comentário brilhante do Reinaldo Azevedo sobre o editorial do Mercadante na folha resume muito bem o grande problema do pensamento heterodoxo brasileiro. Um desconhecimento total do que é metodologia de pesquisa científica. Ciência não acha verdades. Ciência testa conjecturas e refutações. E uma teoria é apenas um mecanismo que consiga descrever da melhor forma um fenômeno observado, e só é válida até uma teoria mais geral refutar a anterior.
Como escreveu G.E.P Box - "All models are wrong but some are useful".
Fiz minha graduação em economia em uma escola heterodoxa, a mesma aonde o deputado citado da aulas. Quando escolhi economia não sabia absolutamente nada sobre ortodoxia ou heterodoxia, e escolhi a Unicamp porque tive um grande mestre que havia se graduado e feito o mestrado em física lá. Creio que foi no segundo ano da faculdade que comecei a desconfiar do pensamento heterodoxo. Acho que foram os cursos de micro e macro os detonadores. Os professores ficavam acusando a economia ortodoxa (sempre um ser maléfico) de ignorar o mundo real, sobre o problema de agentes representativos, blá blá blá.
O problema é que nestes cursos, em especial os cursos de microeconomia, eles ficavam criticando a microeconomia "ortodoxa" , que no máximo devia representar o que era estudado em microeconomia lá em 1930. Em macroeconomia as críticas chegavam no máximo a macroeconomia dos anos 80 e olhe lá, já que em geral os professores não sabiam a matemática mínima para entender o que os macroeconomistas dos anos 80 tinham escrito. Eu, inocente, pensava - "porque estes caras não discutem o que há de mais recente em economia ?". Bom, comecei a pegar os livros "ortodoxos" na biblioteca e tentar entender. E vi que em geral as críticas heterodoxas não faziam o menor sentido, e que os problemas que eles apontavam na teoria "ortodoxa" no máximo eram relevantes para a teoria de uns 40 anos atrás.
Quando comecei a me interessar por econometria foi o tiro final. Porque em econometria as teorias são testadas, e em muitos e muitos casos são rejeitadas. E quando isso acontece é a ciência avança em busca de uma teoria melhor. E isso é o grande mérito de uma ciência.
Um bom exemplo está no livro do Thomas Sargent - The Conquest of American Inflation . Neste livro, o Sargent, que foi um dos criadores da teoria de expectativas racionais, discute quais os problemas existentes nesta teoria e indica quais caminhos poderiam ser seguidos para a criação de uma teoria mais robusta. O próprio autor da teoria rejeita sua teoria em busca de uma explicação melhor. Para mim isto é fazer ciência.
Na heterodoxia é o contrário - é uma idolatria a seres considerados perfeitos e visionários, e cujas obras nunca poderiam ser confrontadas. Escolha o seu favorito - Marx, Keynes, Furtado, etc. Interpretar o capitalismo usando a obra destes seres livres dos pecados e falhas humanas.
O que eu acho mais interessante e desafiador da teoria econômica é o quão rápido a teoria avança para capturar eventos cada vez mais complexos e formular teorias mais robustas. E a velocidade em que a teoria avança é algo ainda mais empolgante. Tem um comentário de um livro de estatística que resume a minha visão sobre como deve ser a pesquisa científica (Prefácio da segunda edição, Monte Carlo Statistical Methods, Robert e Casella)
"It is a tribute to our profession that a textbook that was current in 1999 is starting to feel old"
Nestes 6 anos da edição de 1999 até a segunda edição em 2005 a teoria de métodos de simulação e estimação literalmente explodiu em novas técnicas e aplicações, permitindo tratar efetivamente de problemas imensamente mais complexos.
Isto é ciência para mim - não ficar buscando interpretações de obras sábias escritas há trocentos anos atrás. Outro problema da heterodoxia brasileira é que na maioria dos casos os heterodoxos não estavam nem aí para a teoria econômica, e o que escreviam eram apenas pretextos para a obter vantagens políticas.
A teoria econômica ortodoxa está sempre certa ? é claro que não. Sempre vai surgir algum novo e ambicioso pesquisador para destruir a teoria anterior e propor algo melhor. E somente por isso a teoria evolui tão rápido.
Como escreveu G.E.P Box - "All models are wrong but some are useful".
Fiz minha graduação em economia em uma escola heterodoxa, a mesma aonde o deputado citado da aulas. Quando escolhi economia não sabia absolutamente nada sobre ortodoxia ou heterodoxia, e escolhi a Unicamp porque tive um grande mestre que havia se graduado e feito o mestrado em física lá. Creio que foi no segundo ano da faculdade que comecei a desconfiar do pensamento heterodoxo. Acho que foram os cursos de micro e macro os detonadores. Os professores ficavam acusando a economia ortodoxa (sempre um ser maléfico) de ignorar o mundo real, sobre o problema de agentes representativos, blá blá blá.
O problema é que nestes cursos, em especial os cursos de microeconomia, eles ficavam criticando a microeconomia "ortodoxa" , que no máximo devia representar o que era estudado em microeconomia lá em 1930. Em macroeconomia as críticas chegavam no máximo a macroeconomia dos anos 80 e olhe lá, já que em geral os professores não sabiam a matemática mínima para entender o que os macroeconomistas dos anos 80 tinham escrito. Eu, inocente, pensava - "porque estes caras não discutem o que há de mais recente em economia ?". Bom, comecei a pegar os livros "ortodoxos" na biblioteca e tentar entender. E vi que em geral as críticas heterodoxas não faziam o menor sentido, e que os problemas que eles apontavam na teoria "ortodoxa" no máximo eram relevantes para a teoria de uns 40 anos atrás.
Quando comecei a me interessar por econometria foi o tiro final. Porque em econometria as teorias são testadas, e em muitos e muitos casos são rejeitadas. E quando isso acontece é a ciência avança em busca de uma teoria melhor. E isso é o grande mérito de uma ciência.
Um bom exemplo está no livro do Thomas Sargent - The Conquest of American Inflation . Neste livro, o Sargent, que foi um dos criadores da teoria de expectativas racionais, discute quais os problemas existentes nesta teoria e indica quais caminhos poderiam ser seguidos para a criação de uma teoria mais robusta. O próprio autor da teoria rejeita sua teoria em busca de uma explicação melhor. Para mim isto é fazer ciência.
Na heterodoxia é o contrário - é uma idolatria a seres considerados perfeitos e visionários, e cujas obras nunca poderiam ser confrontadas. Escolha o seu favorito - Marx, Keynes, Furtado, etc. Interpretar o capitalismo usando a obra destes seres livres dos pecados e falhas humanas.
O que eu acho mais interessante e desafiador da teoria econômica é o quão rápido a teoria avança para capturar eventos cada vez mais complexos e formular teorias mais robustas. E a velocidade em que a teoria avança é algo ainda mais empolgante. Tem um comentário de um livro de estatística que resume a minha visão sobre como deve ser a pesquisa científica (Prefácio da segunda edição, Monte Carlo Statistical Methods, Robert e Casella)
"It is a tribute to our profession that a textbook that was current in 1999 is starting to feel old"
Nestes 6 anos da edição de 1999 até a segunda edição em 2005 a teoria de métodos de simulação e estimação literalmente explodiu em novas técnicas e aplicações, permitindo tratar efetivamente de problemas imensamente mais complexos.
Isto é ciência para mim - não ficar buscando interpretações de obras sábias escritas há trocentos anos atrás. Outro problema da heterodoxia brasileira é que na maioria dos casos os heterodoxos não estavam nem aí para a teoria econômica, e o que escreviam eram apenas pretextos para a obter vantagens políticas.
A teoria econômica ortodoxa está sempre certa ? é claro que não. Sempre vai surgir algum novo e ambicioso pesquisador para destruir a teoria anterior e propor algo melhor. E somente por isso a teoria evolui tão rápido.
2 Comments:
Excepcional esse texto!
Parabéns!
No semestre passado, um fato me deixou bastante chocada. Alunos de ditas escolas heterodoxas, no primeiro semestre do curso, rotulam professores de ortodoxos e afirmam constantemente que "a ortodoxia econômica é a causa da pobreza". Os mesmos alunos que invadem prédios públicos e impedem que professores exerçam seu trabalho e que colegas exerçam o direito que têm de assistir as aulas.
Esse é o Brasil.
Seu comentário foi muito lúcido, parabéns!
Eu gosto sempre de citar este texto:
http://www.ie.ufrj.br/revista/pdfs/a_miseria_da_critica_heterodoxa_segunda_parte.pdf
A parte um também é ótima, mas não achei o link. Ele destaca um dos ponto levantados por você.
Abraços,
Postar um comentário
<< Home